Trechos do livro An-Nazarat de Al-Manfaluti

  • Nunca vi em minha vida uma nação que se beneficie de sua divisão e seja prejudicada por sua união, exceto a nação dos mosquitos.
  • É um sinal de fraqueza para uma pessoa menosprezar-se, desconsiderando o valor próprio, e olhar para aqueles que estão acima dela como um animal mudo olha para um que fala. Na minha opinião, é melhor errar ao superestimar o próprio valor do que errar ao subestimá-lo. Pois, quando um homem se vê como insignificante, limita suas ações e comportamentos ao que condiz com essa imagem diminuída de si mesmo. Encontrar-se-á pequeno em seu conhecimento, pequeno em seus modos, pequeno em sua dignidade e ambição, pequeno em suas inclinações e desejos, e pequeno em todos os aspectos de seus assuntos. Mas, quando a alma de um homem cresce diante de seus próprios olhos, tudo o que antes parecia diminuto ao lado da alma pequena torna-se grandioso ao lado da grande.
  • Nenhum entre os homens necessita mais de uma ambição elevada do que o estudante de conhecimento religioso, pois a nação precisa de sua excelência mais do que da excelência dos artesãos e mestres. Não são os próprios artesãos e mestres um reflexo de suas virtudes e uma extensão de sua influência?
  • Ó estudante de conhecimento religioso, sê de aspiração elevada, e que o teu olhar sobre os estudos e publicações dos homens ilustres não instile temor e reverência em teu coração, fazendo-te encolher e diminuir, como o covarde de alma fraca ao ouvir um relato de guerra.
  • Ó Estudante de conhecimento religioso, não necessitas de uma natureza diferente da tua, de um ambiente alheio ao teu, de um céu ou de uma terra distintos da tua, nem de uma mente ou ferramentas além das que já tens ao teu dispor para alcançar as alturas conquistadas pelos grandes que te antecederam. O que precisas é de uma alma tão elevada quanto a deles, uma ambição tão sublime quanto a deles, e uma esperança vasta o suficiente para abranger toda a extensão da terra.
  • Educa a mulher para transformá-la numa escola onde teus filhos aprendam antes mesmo de pisarem em uma sala de aula, e incute nela o refinamento, para que, em seu abraço cuidadoso, o grandioso futuro de uma nação nobre seja erguido.
  • Você vê um homem cuja mente brilha como uma estrela na profundidade serena de uma noite fria, e cujo sorriso irradia luz, como flores que se desabrocham de seus botões. Você inveja sua sorte e felicidade, desejando que Allah lhe concedesse a mesma facilidade e abundância. No entanto, se soubesse da turbulência interna dele, do desespero que rasteja por seu coração como a inevitabilidade da morte na vida, e da dor que queima sua alma, uma dor tão profunda que, se ele a oferecesse à venda no mercado do sofrimento, não encontraria ninguém disposto a comprá-la, nem mesmo pelo preço mais baixo.
  • Se não fossem os véus que Allah lançou sobre os segredos dos corações, a terra teria sido substituída por outra, os céus por outros, o cosmos seguiria uma ordem diferente, e a história teria páginas completamente distintas das que conhecemos.
  • É verdadeiramente surpreendente que um artesão iletrado compreenda o propósito do conhecimento como um meio de ação, onde o carpinteiro aprende apenas para criar portas e baús, e o ferreiro para forjar fechaduras e chaves. O estudante de conhecimento religioso, o indivíduo educado permanece alheio a esse princípio essencial, preocupado apenas em acumular fatos e regras, mas falhando em aplicá-los ou aproveitá-los quando a necessidade surge.
  • A nação nada mais é do que o indivíduo replicado e unificado em sua essência; tu és a nação, e a nação és tu!
  • Se a tua ascensão é monumental, a tua queda deve ser igualmente profunda.
  • Raras vezes encontrarás um exemplo venerado pelos eruditos, aquele que orgulhosamente apresentam como um testemunho de sua sabedoria e uma marca de sua filosofia, sem descobrir seu contraponto refletido nos ditos e provérbios do povo comum. Da mesma forma, nenhum princípio de sabedoria ou verdade ética, que consideramos os tesouros dos livros e as joias do pensamento, existe sem ser espalhado aos pés da população e humilhado nas mãos dos iletrados. Acredito que, se não fosse pela incapacidade das massas de articular os pensamentos que agitavam suas mentes e as verdades que ecoam em suas almas de uma forma coerente e organizada, não imaginariam as palavras dos sábios como algo surpreendente ou seus significados como extraordinários.
  • Frequentemente, encontra-se entre os iletrados aqueles cuja retidão inspira admiração, enquanto entre os eruditos, há aqueles cuja torpeza deixa-lhe estupefato. Se é verdade, como dizem, que o verdadeiro conhecimento é aquele que beneficia seu possuidor, então muitos dos ignorantes são, em essência, mais sábios do que muitos dos eruditos.
  • A inteligência não é sinônimo de sabedoria. Ladrões, vigaristas, falsários, mentirosos, pecadores e hipócritas podem possuir mentes afiadas, mas nenhum deles pode ser considerado sábio, pois conduzem-se à ruína e à destruição de maneiras que sua esperteza não consegue evitar.
  • Os ignorantes são como enfermos, e os sábios (os estudiosos) são como curadores. Não convém a um médico recuar diante de uma cirurgia apenas para poupar o paciente do incômodo, temendo seus lamentos ou a amargura de suas críticas, pois, ao final, o médico se tornará seu mais fiel amigo e o mais querido de todos.
  • Os títulos frequentemente revelam mais sobre suas contradições do que sobre seus verdadeiros significados, estando muitas vezes mais próximos de seus opostos do que de suas interpretações literais. O título pomposo frequentemente dissimula um livro modesto, enquanto uma obra nobre pode, por vezes, ocultar-se sob um título simples.
  • Entre o excesso de louvor e o excesso de censura, a verdade perece em uma morte da qual jamais ressuscitará, até o Dia da Ressurreição.
  • A trivialidade de algo frequentemente conduz à sua gravidade.
  • A coragem, quando mal direcionada, transforma-se em insensatez.
  • A felicidade ilusória é mais amarga ao paladar do que a própria miséria verdadeira.
  • O homem pode suportar um sofrimento contínuo, mas é incapaz de tolerar uma felicidade que seja intermitente.
  • Esta nação deplorável e limitada não enxerga seus grandes homens, nem reconhece seu devido lugar, nem sente sua grandeza, exceto quando estão a caminho de seus túmulos, momento em que o laço entre eles e a nação é rompido. Seu infortúnio reflete o de um proprietário de uma casa que permanece alheio ao tesouro oculto sob sua terra, apenas para chorar em desespero e aflição quando a casa é vendida a alguém que revela esse tesouro, sentado à sombra de suas paredes, lamentando sua fortuna perdida.
  • O sentido da existência não reside em cavar um túnel para si mesmo, cujo ingresso está vinculado ao berço e cuja saída se conecta ao túmulo, deslizando por ele despercebido, invisível aos olhos e inaudível aos ouvidos, até alcançar seu fim, tal como os insetos, pragas e criaturas rastejantes da terra. A existência, ao contrário, é um estrondo nos ouvidos, um chamar de olhares, um agitar de corações, um despertar de línguas silenciosas, e um incitar de canetas adormecidas. Os maiores homens são os que vivem por mais tempo, mesmo que suas vidas sejam breves, e são os mais afortunados na existência, mesmo que seu tempo sobre a terra seja curto.
  • Seja o orador cuja voz o vento carrega até os horizontes do Oriente e do Ocidente, e não o vento que chega aos ouvidos das pessoas com as vozes dos oradores, despercebido e desconhecido.
  • Seja o líder dos povos, se for capaz; caso contrário, seja o líder de si mesmo. Não busque a grandeza alinhando-se aos poderosos ou apegando-se a eles, nem opondo-se a eles e se colocando contra. Pois, ao fazê-lo, você permanecerá sendo um submisso seguidor, enquanto eles continuarão os verdadeiros líderes e dignitários.
  • A ignorância do iletrado não o impede de formar uma opinião sensata sobre o mérito ou demérito da palavra. Na verdade, seu senso do que é eloquente e do que é vil, se for agraciado com um toque de gosto refinado e compreensão sólida, pode ser mais preciso do que o do erudito, que, em seu esforço de criticar, complica excessivamente sua análise e se aprofunda demais nas virtudes e falhas da fala, muitas vezes perdendo de vista ambas.
  • A verdade é uma presença imutável, imune à falsidade. Pode, por vezes, ocultar-se, disfarçar sua forma ou aparecer sob uma aparência que não lhe é própria, mas jamais se desvanece nem desaparece.
  • Quantas pérolas as mãos do mergulhador não conseguiram descobrir, permanecendo ocultas entre suas conchas! Quantas flores perfumadas, prestes a florescer, foram atingidas pelos ventos abrasadores do deserto, murchando antes de seu tempo! Quantos diamantes brilhantes estavam além do alcance dos mineiros, sua luz extinta na obscura mina de carvão! E quantas mentes brilhantes, não refinadas pelo saber e pela experiência, viveram negligenciadas e sem polimento, suas centelhas se apagando; se tivessem sido cultivadas, poderiam ter transformado o mundo e remodelado a própria terra.
  • A mãe chora por seu filho caçula, como choraria pela perda de seus últimos dez filhos, e o amigo lamenta a partida de seu companheiro, mesmo cercado por muitos amigos em cada recanto do mundo. A esposa chora por seu marido, mesmo que sob cada janela de sua casa, pretendentes aguardem ansiosos por sua atenção. E a alma miserável, que vive neste mundo como se em um dos mais estreitos dos buracos, sobrecarregada de dificuldades e aflições, guarda sua vida com o máximo zelo, temendo seu fim, mesmo sabendo que transcenderá para um paraíso vasto como os céus e a terra.
  • A audição é a essência mesma da palavra, de onde ela extrai sua força e vitalidade. Aquele que não pode ouvir, não pode falar com clareza, e aquele que não fala, não pode pensar com nitidez.
  • O escritor é como o artista; ambos são transmissores, ambos são narradores. No entanto, o primeiro transmite as emoções da alma para a alma, enquanto o segundo transmite as imagens dos sentidos para os sentidos. Assim como a medida da excelência na pintura reside na semelhança da imagem com o original, da mesma forma, a medida da excelência na escrita está na palavra escrita sendo um reflexo dos pensamentos ocultos na alma.
  • O perdão é um momento amargo, seguido de uma felicidade eterna, enquanto a vingança é um prazer efêmero, sucedido por uma miséria interminável e implacável.
  • Uma palavra treme somente quando seu significado vacila na alma do falante, e permanece obscura apenas quando sua importância é incerta na mente do orador. É impossível para o entendido falhar em transmitir compreensão, para o comovido falhar em comover, ou para o convencido falhar em convencer.
  • O caráter de um jovem não se forma nos dias de sua infância ou no crepúsculo de sua velhice, mas no auge de sua juventude; pois, se este período for preservado, todas as etapas subsequentes de sua vida estarão resguardadas.
  • O período inicial da Jahiliyya (era pré-islâmica) foi marcado pela divisão de tribos e nações, enquanto nossa Jahiliyya moderna está fragmentada em lares, famílias e até indivíduos. Não há compaixão, nem conexão, nem reconhecimento, nem simpatia, nem mesmo entre um irmão e seu semelhante, um pai e seus filhos.
  • Não chamo o generoso de generoso até que tanto a caridade do segredo quanto a caridade da exibição pública sejam iguais em seu coração. Tampouco chamo o casto de casto até que ele se abstenha nos tempos de segurança com a mesma firmeza que nos tempos de temor. Não considero o veraz como veraz até que suas ações reflitam a mesma verdade de suas palavras. Não chamo o compassivo de compassivo até que seu coração chore diante dos seus próprios olhos. Não chamo o humilde de humilde até que sua opinião sobre si mesmo seja inferior à opinião que os outros têm dele.
  • Nossos antepassados ignoravam mais do que nós sabemos, contudo, sua ignorância não os prejudicou tanto quanto o nosso conhecimento nos tem prejudicado.
  • As nações não encontram a felicidade no conhecimento do bem e do mal; ao contrário, sua felicidade reside na compreensão do melhor do bem e do pior do mal.
  • Quanto é necessário, ao transitar do tormento da pobreza para a bem-aventurança da riqueza, para reconectar-se com os amigos de seus primeiros dias, sentar-se com eles de tempos em tempos, e discutir o passado e o presente, sentindo o prazer de mover-se de um estado a outro, e, ao refletir, perceber o imenso favor de Allah sobre si.
  • Se desejas ser tudo em uma nação ignorante, reivindica tudo para ti. Em pouco tempo, alcançarás, com as tuas palavras, o que outros não conseguem realizar com suas ações ao longo de extensos períodos. Pois o mentiroso persiste em mentir até que o povo lhe acredite, e então continua mentindo até que ele próprio se convença da mentira.
  • Aquele que não possui bondade em sua fé (que não preserva os valores de sua religião) não tem bondade em sua pátria, pois se quebra o pacto de patriotismo com traição e imoralidade, é ainda mais traiçoeiro e corrupto ao violar seu pacto com Allah. A virtude é a pátria mais verdadeira para o homem, e aquele que não a valoriza tem bem menos probabilidade de zelar por uma pátria composta apenas de telhados e paredes.
  • A causa da miséria humana reside em seu perpétuo desdém pela felicidade do dia presente, enquanto se ocupa com a alegria efêmera do amanhã. No entanto, quando o amanhã chega, ele considera que o ontem foi melhor do que o hoje, permanecendo, assim, aprisionado na tristeza, tanto no presente quanto no passado.

Este artigo foi publicado na segunda edição da revista (Família muculmana)


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