A Moralidade no Antigo Testamento

Paulo declara: “Toda a Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir e para instruir em justiça.” (2 Timóteo 3:16, KJV)

Mas teria a Bíblia sido, de fato, uma repreensão ao pecado, uma mestra da retidão, um guia para a conduta íntegra e um instrumento de disciplina?

As páginas da Bíblia transbordam uma vasta gama de textos, e o que nos interessa aqui são aqueles que abordam a dimensão moral. Os livros bíblicos estão repletos de relatos sobre os vícios praticados pelos israelitas e por outros povos, descrevendo com riqueza de detalhes sua embriaguez, lascívia e idolatria.

Poder-se-ia supor que tais narrativas fossem transmitidas como exemplos de advertência, destinadas a repreender e corrigir, a provocar reflexão sobre o destino dos transgressores.

No entanto, nada disso se encontra no texto bíblico, que, ao contrário, abriga dezenas de passagens impróprias, assemelhando-se a relatos explícitos de intimidade e sexualidade desvelada.

Está igualmente repleto de narrativas de luxúria e crimes, mas raramente se observa qualquer punição ou advertência para tais atos.

Surge, então, a indagação: qual a finalidade de incluir tudo isso num livro que judeus e cristãos afirmam ser de inspiração divina? Que valor há em registrar dez episódios de incesto em um texto sagrado? O mais curioso é que todos os dez envolvem profetas ou seus descendentes.

Além disso, o texto comporta dezenas de histórias mergulhadas em amores sórdidos. Que proveito moral pode-se extrair de tais relatos?

A Torá contém diversos exemplos dessas narrativas explícitas, como o episódio de Judá com sua nora Tamar, bem como a história do juiz Sansão com a prostituta (ver Juízes 16:1–3).

Outro exemplo marcante é o estupro de Tamar por Amnom, filho de Davi, sob o conselho de Jonadabe — descrito na Torá de maneira singular, como extremamente sábio (ver 2 Samuel 13:3–22).

E ao perscrutar todos esses relatos em busca de qualquer punição ao transgressor, nada se encontra. A Torá jamais nos informa que a pena por adultério mencionada em Levítico 20:17 tenha sido aplicada sequer uma única vez.

Como exemplo das punições previstas na Torá que jamais se concretizaram, reflitamos sobre o que se narra no Livro de Samuel a respeito de Eli, o sumo sacerdote e juiz de Israel: “Eli, já muito idoso, ouviu tudo quanto seus filhos faziam a todo o Israel, e como se deitavam com as mulheres que se ajuntavam à porta da tenda da congregação. E disse-lhes: Por que fazeis tais coisas? Pois de todo este povo ouço falar dos vossos maus atos.
Não, filhos meus, porque não é boa fama esta que ouço: transgredis o povo do Senhor.” (1 Samuel 2:22–24, KJV)

Seria isso, de fato, tudo o que o principal juiz de Israel fez diante daqueles que praticaram fornicação no próprio recinto da Tenda da Revelação?

Há também numerosas passagens torpes que se erguem como exemplos de uma literatura despudorada consagrada na Torá — verdadeiras descrições de alcova que se esperaria encontrar apenas em livros de lascívia e devassidão.

Apresentaremos agora alguns desses exemplos, pedindo de antemão desculpas ao leitor pela obscenidade do que se segue.

No Cântico dos Cânticos, atribuído a Salomão, lemos já no capítulo inicial:

“Beija-me ele com os beijos da sua boca, porque melhor é o teu amor do que o vinho. Suave é o aroma dos teus ungüentos, o teu nome é como ungüento derramado; por isso as virgens te amam. Puxa-me, e correremos após ti; o rei me introduziu nas suas câmaras; nos alegraremos e nos regozijaremos em ti; lembraremos do teu amor mais do que do vinho; os retos te amam…”

“Quão formosas são as tuas faces entre os teus enfeites, o teu pescoço com colares! Faremos para ti brincos de ouro, com pendentes de prata. Enquanto o rei estava à sua mesa, o meu nardo exalava o seu perfume. O meu amado é para mim um saquinho de mirra, repousando entre os meus seios…” (Cântico dos Cânticos 1:2–6, Almeida Revista e Atualizada)

E assim prosseguem os capítulos seguintes deste livro, tornando-se ainda mais audaciosos.

“À noite, na minha cama, busquei aquele que a minha alma ama; busquei-o, mas não o achei. Levantar-me-ei agora, e pelo mundo andarei, pelas ruas e praças buscarei aquele que a minha alma ama. Busquei-o, mas não o achei. Os guardas me encontraram quando andava pela cidade, e perguntaram-me: ‘Vistes aquele que a minha alma ama?’ Mal passei por eles, encontrei aquele que a minha alma ama; eu o segurei e não o deixei ir, até o levar para a casa de minha mãe, e para o aposento daquela que me gerou.” (Cânticos 3:1-5, Almeida Revista e Atualizada)

No capítulo seis, há menção às muitas esposas do rei Salomão:
“Há sessenta rainhas, oitenta concubinas, e virgens sem número.”
No entanto, uma delas sobressai, como a poetisa a descreve:
“Uma é minha pomba, minha perfeita, única da sua mãe, pura para aquela que a gerou.”


Quem será esta senhora afortunada?

Ela é a Sulamita (Sulamita), que alguns estudiosos identificam como Abisague, a sunamita, esposa de Salomão; outros sugerem que o nome seja a forma feminina de Salomão em hebraico, significando “a esposa e companheira do rei” (ver The International Standard Bible Encyclopedia, artigo “Shulammite”, e o Bible Dictionary, p. 535).

O poeta dirige-se a ela:
“Volta, volta, ó Sulamita; volta, volta, para que te possamos contemplar.
Quão formosos são os teus pés com sandálias, ó nobre filha!
As tuas coxas arredondadas são como jóias, obra das mãos de um artífice.
Teu ventre é como um montão de trigo, cercado de lírios.
Teus seios são como dois cervos, gêmeos de uma gazela.
Teu pescoço é como uma torre de marfim.
Teus olhos são como poços em Hesbom, junto ao portal de Bath-rabim.
Teu nariz é como a torre do Líbano que olha para Damasco.
Teu cabeço te coroa como o Carmelo, e os teus cabelos sedosos são como púrpura; um rei está cativo entre as tranças…”

Quão formosa e amável és, ó amada, com todas as tuas delícias! A tua estatura é como a palmeira, e os teus seios, como os cachos que ela produz. Eu disse: Subirei à palmeira, apanharei seus frutos. Que os teus seios sejam como cachos de uvas, e o perfume da tua respiração como maçãs, e a tua boca como o melhor vinho que desce suavemente para o meu amado, deslizando sobre lábios e dentes. Sou do meu amado, e o seu desejo está por mim.
Vem, meu amado, sairemos ao campo, passaremos as noites nas aldeias.
Vamos cedo às vinhas, veremos se já brotaram as vinhas, se as romãs estão em flor; ali te darei o meu amor.

Quem me dera que fosses como um irmão que mama nos seios de minha mãe!
Ao te encontrar lá fora, eu te beijaria, e ninguém me desprezaria. Eu te conduziria e te levaria à casa de minha mãe —
tu me ensinarias, e eu te daria vinho aromatizado a beber,
suco do meu romã. A sua mão esquerda está debaixo da minha cabeça, e a sua direita me abraça! (Cânticos 6:13 – 7:1–13, Almeida Revista e Atualizada)

Em seu livro Dúvidas Imaginárias, o Reverendo Mounes Abdel Nour justifica a presença de tais passagens românticas…

Ele afirma: “O livro retrata os prazeres conjugais, e não há pecado no ato sexual dentro dos limites do matrimônio” (Dúvidas Imaginárias sobre a Bíblia, Reverendo Mounes Abdel Nour, p. 209). É como se a Bíblia servisse de guia para aqueles que se preparam para o noivado e pretendem casar-se, enquanto o Reverendo ignora as passagens que abordam relações pecaminosas fora do pacto matrimonial.

Adotando uma linha semelhante, o Reverendo Samuel Youssef defende a presença desses textos amorosos nas Escrituras ao afirmar: “Sua inclusão aperfeiçoa os livros sagrados, pois Deus se importa com todos os aspectos da vida humana… Quando lemos o Cântico dos Cânticos, nossos corações se purificam ainda mais, e compreendemos a dura realidade das falhas que muitos sofrem devido à infidelidade entre cônjuges. O propósito do livro é moral e instrutivo.” (Ver Introdução ao Antigo Testamento, Reverendo Dr. Samuel Youssef, p. 245).

Will Durant, em A História da Civilização, observa: Independentemente da natureza dessas obras amorosas, sua presença no Antigo Testamento permanece um mistério oculto… Não sabemos como o clero ignorou ou desconsiderou as paixões libidinosas expressas nessas canções, mas permitiu sua inclusão nas Sagradas Escrituras.

A introdução dos Padres Jesuítas afirma: “Poucos crentes leem o Cântico dos Cânticos, pois não lhes convém muito.”

Esse tom depreciativo reaparece em diversos outros livros, como na alegoria das duas meretrizes entregues por Deus a seus amantes, que as assassinaram—uma parábola das cidades de Samaria e Jerusalém. No entanto, a natureza simbólica da narrativa não justifica sua vulgaridade:

“Veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo: Filho do homem, havia duas mulheres, filhas de uma mesma mãe; e cometeram prostituição no Egito, na sua mocidade. Ali foram apertados os seus seios, ali se feriram os mamilos da sua virgindade. O nome de uma era Aholá, a mais velha, e o nome da sua irmã, Aholibá; e elas eram minhas, e deram à luz filhos e filhas. Assim eram os seus nomes: Samaria é Aholá, e Jerusalém é Aholibá.

E Aholá prostituiu-se quando era minha; e amava os seus amantes, os assírios, seus vizinhos, vestidos de azul, capitães e príncipes, jovens formosos, cavaleiros montados a cavalo. Com eles se prostituiu, com todos os escolhidos da Assíria, e com todos aqueles de quem gostava; e com todos os seus ídolos se contaminou.”

Nem assim abandonou as suas prostituições trazidas do Egito; pois na sua mocidade se deitou com eles, feriram os mamilos da sua virgindade e derramaram sobre ela a sua impureza. Por isso a entreguei nas mãos dos seus amantes, nas mãos dos assírios, de quem ela se enamorou.

Eles expuseram a sua nudez, tomaram seus filhos e filhas e a mataram à espada; e ela ficou notória entre as mulheres, pois sobre ela se executou juízo. Quando sua irmã Aholibá viu isso, corrompeu-se ainda mais em seu amor desordenado e em suas prostituições mais do que sua irmã. Ela se apaixonou pelos assírios, seus vizinhos, capitães e príncipes ricamente vestidos, cavaleiros montados a cavalo, todos jovens formosos e desejáveis.

Então vi que ela se contaminara, que seguiu o mesmo caminho, e que aumentou suas prostituições; pois, ao ver homens pintados na parede, imagens dos caldeus pintadas com escarlate, cingidos com faixas na cintura, adornados com trajes vistosos na cabeça, todos príncipes formosos, ao modo dos babilônios da Caldéia, terra de sua origem:

E, assim que os viu com os olhos, apaixonou-se por eles e enviou mensageiros a eles na Caldéia. Vieram os babilônios a ela na cama do amor, e a profanaram com sua prostituição; ela se contaminou com eles, e seu coração se afastou deles.

Então revelou suas prostituições e descobriu sua nudez; por isso, meu coração se afastou dela, como se afastara de sua irmã. Contudo, multiplicou suas prostituições, recordando os dias da sua mocidade, quando se prostituía na terra do Egito. Pois ela se apaixonou por seus amantes, cuja carne é como a carne de jumentos, e cujo sêmen é como o sêmen de cavalos. (Ezequiel 23:1–49, Almeida Revista e Atualizada)

Essa linguagem rude e degradante reaparece também em outro livro—o Livro dos Provérbios—onde se declara:

Ao entardecer, ao cair da noite, na escuridão profunda: Eis que uma mulher, vestida como meretriz e astuta de coração, o encontrou. (Ela é ruidosa e obstinada; seus pés não ficam em casa; ora está nas ruas, ora espreita em cada esquina.) Ela o agarrou, beijou-o e, com semblante insolente, disse-lhe: “Tenho ofertas de paz comigo; hoje cumpri os meus votos. Por isso saí para te encontrar, diligentemente buscar o teu rosto, e te achei. Enfeitei a minha cama com tecidos finos, com entalhes e linho egípcio. Perfumei a minha cama com mirra, aloés e canela. Vem, saciemo-nos de amor até de manhã; alegremo-nos com amores. Pois o marido não está em casa; partiu numa longa viagem; levou consigo um saco de dinheiro, e voltará no dia marcado.” Com muitas palavras encantadoras a fez ceder; com lábios lisonjeiros a dominou. Ele a segue imediatamente, como o boi que vai para o matadouro, ou como o insensato que vai para a correção do madeiro; até que a flecha lhe atravesse o fígado; como o pássaro que se apressa para a armadilha, sem saber que é para sua vida.” (Provérbios 7:9–23, Almeida Revista e Atualizada)

E há ainda outra passagem semelhante em Provérbios, embora desta vez se refira à esposa:
“Alegra-te com a mulher da tua mocidade, como cerva amorosa e gazela graciosa; saciem-te os seus seios em todo o tempo, e embriaga-te sempre com as suas carícias.” (Provérbios 5:18–19, Almeida Revista e Atualizada)

E além disso…

Seria isto, de fato, a revelação de Deus? Ou o fruto de almas corrompidas que não suportam distanciar-se da imundície do desejo carnal e de seu discurso vulgar?

Ademais, as Sagradas Escrituras contêm exemplos de insultos repugnantes, como no versículo: “Deus falou na sua santidade… Moabe é a minha bacia de lavar; sobre Edom lançarei o meu sapato.” (Salmo 60:6–8, Almeida Revista e Atualizada)

Acaso o Todo-Poderoso trataria uma nação inteira — que Ele próprio criou — como um lugar para aliviar-se ou purificar-Se de imundícies? Porventura tem Ele necessidades ou impurezas? Necessitaria de uma latrina, ainda que em sentido figurado?

Entre os insultos vis e absolutamente indignos do Deus Altíssimo e de Sua revelação, encontra-se o que está registrado nas Escrituras, quando o rei Saul disse a seu filho Jônatas:
“Filho de mulher perversa e rebelde! Não sei eu que escolheste o filho de Jessé, para tua vergonha e para a vergonha da nudez de tua mãe?” (1 Samuel 20:30, Almeida Revista e Atualizada)

De modo semelhante, Isaías repreendeu os filhos de Israel:
“Mas vós chegai-vos aqui, filhos da feiticeira, descendência do adúltero e da prostituta…” (Isaías 57:3, Almeida Revista e Atualizada)

[E depois: Quais são os efeitos das Escrituras Sagradas sobre os seus leitores?]

Um olhar atento à sociedade ocidental e um breve exame das estatísticas alarmantes da corrupção que assola a Europa despertam temor e obrigam à reflexão profunda e à busca pela raiz desse mal.

Torna-se evidente que as Escrituras Sagradas carregam parte da responsabilidade, pois o próprio Cristo declarou:
“Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus.” (Mateus 7:16–17, Almeida Revista e Atualizada)

Não é de admirar que o vinho e o adultério proliferem numa nação que crê que seus profetas foram, eles mesmos, adúlteros, entregues ao vício até mesmo com seus próprios parentes, embriagando-se com vinho — e ainda assim, sem qualquer castigo divino, sem que lhes fosse retirada a santidade, a profecia ou a escolha. Ao contrário, Deus teria honrado a descendência nascida dessas uniões ilícitas e dessa devassidão, tornando-os antepassados de Seu Cristo!

Não causa espanto que o vinho corra livremente numa nação cuja escritura sagrada defende o seu consumo, considerando-o um remédio para as angústias dos pobres e um bálsamo para os seus fardos — substituindo a fé e a aceitação do decreto divino. Como proclama o livro de Provérbios:
“Dai bebida forte ao que está para perecer, e o vinho aos amargurados de espírito;
que ele beba, e se esqueça da sua pobreza, e da sua miséria não se lembre mais.” (Provérbios 31:6, Almeida Revista e Atualizada)

Tampouco é surpreendente que o crime se alastre numa sociedade que acredita que Deus ordena o extermínio de inocentes, mulheres, crianças e até mesmo de animais, sem motivo algum.

Bernard Shaw não se equivocou ao chamar a Bíblia de “o livro mais perigoso do mundo, que deveria ser mantido trancado num armário com chave.” Ver: É a Bíblia a Palavra de Deus?, de Ahmed Deedat, pp. 54, 70.

“O Antigo Testamento é a Palavra de Deus?”
por Munqidh al‑Saqqar


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