O livro As Maravilhas das doações perpétuas na Civilização Islâmica, de Dr. Ragheb El-Sergany, analisa o papel histórico das doações perpétuas islâmicas nas sociedades. Ao longo de 215 páginas, a obra explora os aspectos notáveis do processo de doação, composto pelo waqf (a doação perpétua), o waqif (o doador) e os beneficiários (mauquf ‘alayhim). O autor destaca a relevância e as facetas sublimes dessas doações perpétuas, apresentando exemplos da história islâmica e examinando os regulamentos, restrições e pareceres jurisprudenciais que protegem a integridade do processo, assegurando que seus benefícios alcancem plenamente os destinatários sempre que possível.
Introdução
Na sua introdução, o autor enfatiza o papel crucial da legislação na formação das sociedades, regulando as interações humanas e definindo a relação entre os indivíduos e o estado que os governa.
A legislação islâmica possui uma importância profunda na orientação das sociedades rumo a um desenvolvimento justo, abrangendo todos os aspectos da vida humana—desde os atos mais privados, como entrar no banheiro, até as questões mais grandiosas, como o califado e a liderança suprema.
O waqf (doação perpétua) é um componente essencial desta virtuosa legislação islâmica, servindo como a manifestação prática da jurisprudência islâmica, que floresceu ao longo de mais de quatorze séculos. As doações perpétua são para todos—os pobres e os ricos, os Povos do Livro e seguidores de outras crenças—abrangendo toda a comunidade com sua generosidade. De fato, o waqf reflete o espírito universal do Islã, uma fé que é misericordiosa para todos os mundos.
Capítulo Um: As Maravilhas da Legislação Islâmica nas Questões das doações perpétuas.

Os hospitais foram, ao longo da história, algumas das doações perpétuas islâmicas mais significativas.
Neste capítulo, o autor mergulha em diversas questões relacionadas ao processo de endowment, evidenciando a genialidade da legislação islâmica e as condições, e diretrizes meticulosamente estabelecidas pelos juristas. Todas essas medidas buscavam atingir os mais elevados níveis de preservação dos objetivos da Sharia, que incluem a proteção da religião, da riqueza e da vida. O capítulo destaca diversas questões abordadas pelo autor e exploradas pelos estudiosos ao longo dos séculos, das quais mencionaremos algumas.
O livro começa por enumerar a importância multifacetada das doações perpétuas, delineando seus profundos impactos da seguinte forma:
- Importância Religiosa: aqui, o waqif (o doador) busca a recompensa divina e o perdão, dedicando a doação perpétua exclusivamente a Allah. Os juristas estipularam que o waqf deve servir a atos de piedade e caridade.
- Importância Familiar: nesta categoria, um homem aloca uma parte de sua riqueza, como propriedades ou terras, para o benefício de sua família, resguardando o futuro de seus descendentes e protegendo-os da humilhação da dependência.
- Importância Educacional: este propósito fundamenta o estabelecimento de escolas e instituições de ensino, seja para ciências religiosas ou mundanas. Tais doações perpétuas visam elevar a sociedade por meio desses dois domínios do conhecimento, apoiando e nutrindo os estudantes, especialmente os mais pobres.
- Importância Social: as doações perpétuas abordam questões sociais ao se empenharem em apoiar a comunidade, estendendo auxílio aos pobres, necessitados, órfãos e viúvas por meio de diversas formas de doação perpétua caritativa.
- Importância na Saúde: os waqif (benfeitores) estabelecem hospitais e centros médicos com o nobre objetivo de tratar os enfermos, com especial atenção à assistência dos empobrecidos.
- Importância Militar: ao longo da história islâmica, certas doações perpétuas foram dedicados aos serviços militares. Parte dos rendimentos era alocada para apoiar os guerreiros, adquirir armas e equipamentos, e até mesmo para garantir a libertação dos prisioneiros muçulmanos.
Esses são apenas alguns vislumbres dos nobres objetivos sobre os quais as doações perpétuas islâmicas foram fundadas ao longo dos séculos da história islâmica. Caro leitor, é possível perceber a profunda beleza desses objetivos altruístas, desprovidos de interesses egoístas — nesta vida — e, em vez disso, direcionando seus benefícios para o bem-estar e a prosperidade da sociedade como um todo.
O autor também destacou dois tipos principais de doação perpétua: as doações perpétuas caritativas e as doações perpétuas familiares. A distinção reside nos beneficiários designados—se a doação perpétua é direcionado ao público, é considerado caritativo, enquanto se é alocado à família e aos parentes do benfeitor, é classificado como uma doação perpétua familiar.
Foi narrado de Aisha (que Allah esteja satisfeito com ela) que “o Mensageiro de Allah ﷺ dedicou sete pomares em Medina como caridade em benefício de Banu Abdul Muttalib e Banu Hashim.” Esses pomares são considerados uma forma de doação perpétua familiar (waqf dhurri).
O autor também se aprofundou no conceito de “doação perpétua reservado” (waqf al-irsad), que envolve a alocação de propriedades pertencentes aos muçulmanos por decreto do governante. Os rendimentos desse tipo de doação perpétua são direcionados para interesses públicos, como escolas, hospitais ou outros benefícios comunitários.
Entre os temas discutidos no livro, amplamente analisados pelos juristas, estão as condições exigidas para o waqif (o doador), os beneficiários do waqf (os destinatários) e o próprio waqf (a doação perpétua), bem como sua natureza. Os detalhes sobre esses tópicos são vastos.
Capítulo Dois: As Maravilhas dos Juristas em Questões de doação perpétua

Neste capítulo, são apresentados exemplos e modelos da nossa história islâmica que ilustram a flexibilidade do sistema jurídico em lidar com questões relacionadas às doações perpétuas (waqf). Revela-se como, em todos os esforços de ijtihad e nas fatwas emitidas pelos estudiosos, buscou-se sempre o bem-estar dos beneficiários das doações, em conformidade com a legislação divina. Não se mostrou rígido na adesão a uma opinião ou indivíduo específico, mas, ao contrário, levou em consideração os tempos em constante mudança e os interesses em evolução, culminando em decisões precisas que não deixaram nenhum detalhe das Waqf (doações) e de sua gestão sem a devida atenção.
O autor inicia discutindo os esforços acadêmicos de ijtihād e as deliberações para definir o waqf (doação perpétua) de acordo com a lei islâmica. Em seguida, destaca as divergências de opinião sobre a validade das doações perpétuas entre os grandes fuqahāʾ, cada qual apresentando suas evidências e argumentos baseados no Alcorão e na Sunnah. Apesar dessas diferenças, o decoro no desacordo foi mantido com o mais elevado respeito, sempre com o objetivo de garantir o bem-estar dos beneficiários do waqf e preservar as leis de Allah, sem alteração ou distorção.
Entre os temas abordados no livro está “a sabedoria por trás da disposição jurídica de substituir doação perpétua.” Isso se refere à prática de substituir um bem doado, como uma terra, por outro, ou mesmo por uma propriedade diferente, considerando que não há um texto direto que sustente explicitamente a validade de tal.
No entanto, os juristas (fuqahā’) aprofundaram-se na questão, aplicando o princípio do interesse público em benefício dos beneficiários da doação perpétua e, assim, afirmaram a validade da substituição dessas doações. Isso demonstra a flexibilidade intrínseca ao sistema jurídico islâmico, já que os juristas sempre concentraram seus esforços nos objetivos superiores da lei islâmica.
Nessa questão anterior, surgiu uma divergência entre aqueles que permitiam a substituição da doação perpétua e aqueles que a proibiam. Cada lado buscava o que era melhor para o Waqf e seus beneficiários. Os que permitiam argumentavam que o Waqf deveria ser perpétuo e duradouro, e que, caso a doação original se deteriorasse, deveria ser vendida e substituída por outra, assegurando o benefício contínuo para os beneficiários do Waqf — sejam eles os pobres, os necessitados ou outros destinatários designados.
Aqueles que se opunham à permissibilidade da substituição buscavam impedir qualquer manipulação das doações perpétuas (Awqāf), temendo que o administrador, responsável pelo Waqf, pudesse negligenciá-lo intencionalmente ou conspirar com potenciais compradores para destruí-lo, comprometendo assim os interesses dos beneficiários. Dessa forma, o argumento contra a permissibilidade baseava-se na necessidade de proteger contra fraudes e traições de confiança.
Outro tema abordado no livro é a flexibilidade da legislação quanto ao arrendamento das doações perpétuas. Também aqui foram apresentadas diversas opiniões jurídicas (ijtihādāt fiqhīyah), evidenciando ainda mais a vitalidade do sistema jurisprudencial. Foram estabelecidas condições e regulamentos para o arrendamento, como a regra de que é proibido ao administrador alugar o Waqf as pessoas cuja testemunha não seja aceita, incluindo ascendentes, descendentes e cônjuges. Essa medida foi implementada para evitar suspeitas, favorecimentos e exploração.
Reflita, que Allah o proteja, sobre a precisão das salvaguardas legais observadas pelos estudiosos e sua profunda preocupação com o bem-estar dos beneficiários das doações perpétuas (Waqf)!
A questão final aborda “a divergência em relação à opinião do mestre”, onde o autor discute a mudança de perspectiva de Abu Yusuf, Ya’qub ibn Ibrahim al-Ansari, em relação à posição de seu mestre, Abu Hanifa, sobre a obrigatoriedade das doações perpétuas (Awqāf). Abu Hanifa sustentava que as doações perpétuas eram inválidas e proibidas, enquanto Abu Yusuf, após realizar a peregrinação (ḥajj) e testemunhar as doações dos Companheiros do Profeta (que Allah esteja satisfeito com eles), passou a considerá-las obrigatórias.
Nosso foco aqui não está na disputa em si, mas sim na flexibilidade e vitalidade do sistema jurisprudencial, bem como em sua visão atenta ao bem-estar dos beneficiários. Isso demonstra que a legislação islâmica não se apega rigidamente às opiniões de indivíduos, mas está fundamentada na orientação divina do Alcorão e da Sunnah.
As questões discutidas neste capítulo e a maneira como os estudiosos as abordaram são vastas; portanto, nos contentaremos com esta breve visão geral, sendo que o que foi mencionado aqui não substitui a necessidade de ler o livro em sua totalidade.
Este artigo foi publicado na segunda edição da revista (Família muculmana)
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