Guilan Por Trás das Máscaras

A indústria da animação, de forma geral, desempenha múltiplos propósitos além dos lucros financeiros expressivos que gera para os países produtores. Existem outros ganhos, como a conquista intelectual e a reabilitação da imagem manchada de muitas dessas nações. O que se esconde por trás dessas obras—um histórico distorcido—não pode ser descrito por sua magnitude de horrores. Um exemplo disso é o Japão.

O foco deles na exportação de sua cultura vai além do lucro econômico; serve também a um propósito estratégico nas relações internacionais. O Japão busca melhorar sua imagem perante a comunidade global, especialmente diante de sua reputação como uma das nações mais brutais e sanguinárias na primeira metade do século XX.

Durante sua agressão à China, cerca de 36 milhões de vidas foram ceifadas; em sua ofensiva contra o Vietnã, aproximadamente dois milhões de pessoas perderam a vida; e em sua invasão da Indonésia, cerca de quatro milhões pereceram!

O exército japonês não poupou ninguém, incluindo mulheres e idosos, participando de competições macabras destinadas a massacrar o maior número possível de civis indefesos. Caçavam crianças com baionetas, mutilavam órgãos genitais, estupravam qualquer um que caísse em suas mãos, submetiam prisioneiros a experimentos com armas químicas e usavam alguns para detonar minas terrestres!

O massacre mais infame perpetrado pelos japoneses foi o Massacre de Nanking, em 1937, após a captura da capital da China na época. Segundo algumas estimativas, o exército japonês matou 300.000 civis chineses desarmados em quarenta dias e estuprou 20.000 mulheres.

Dado esse histórico, não é de surpreender que vestígios de tamanha brutalidade e selvageria possam ser encontrados no anime.

O Japão decidiu reconfigurar sua imagem manchada por meio de esforços como a promoção das exportações culturais mundialmente. Uma manifestação desse compromisso foi a criação da Fundação Japão em 1972, uma instituição que opera sob a supervisão do Ministério das Relações Exteriores do Japão. Sua missão é cultivar a amizade e fomentar relações internacionais, criando oportunidades globais para aprimorar a confiança mútua e o entendimento através da cultura e do diálogo. A Fundação Japão tem presença em 24 países ao redor do mundo.
Entre as iniciativas artísticas e culturais apoiadas por esta instituição, destaca-se a promoção de exposições de manga e anime.

De acordo com o especialista em anime Kiichiro Morikawa, da Universidade de Tóquio, “A popularidade difundida do anime japonês conseguiu incutir uma imagem mais humana do Japão.”

Como parte da mesma estratégia diplomática, a atenção intensificou-se na promoção da cultura japonesa da fofura (Kawaii). Personagens de anime, como Pikachu, são exemplos primordiais dessa cultura Kawaii. Esta política, juntamente com outros fatores, tem sido uma das principais razões para atrair quase 40 milhões de turistas ao Japão anualmente, sem contar os milhões de entusiastas globais dessa cultura!

Em 2013, o governo japonês, em colaboração com o setor privado, criou o Cool Japan Fund., com o objetivo de promover a identidade nacional e o poder brando, apoiando produtos japoneses globalmente em vários setores estratégicos, incluindo:

— Conteúdo midiático
— Alimentação e serviços
— Moda e estilo de vida

O governo financiou esta iniciativa, com o setor de conteúdo midiático recebendo a maior parte dos recursos. Até hoje, o fundo segue apoiando inúmeros projetos, alinhando-se com a meta estratégica de ampliar a influência cultural e a presença do Japão no mundo.

O Japão não se limitou a exportar filmes e séries de anime; também passou a apoiar a criação de festivais de anime ao redor do mundo, começando pelos Estados Unidos no início da década de 1980, seguidos pela Europa e Austrália na metade dos anos 1990. Esses festivais evoluíram gradualmente para um fenômeno global reconhecido, culminando no renomado Anime Expo, que atraiu dezenas de milhares de visitantes.


Esses festivais abrangem uma vasta gama de atividades, incluindo palestras sobre anime, workshops sobre a produção e promoção da animação japonesa, competições, apresentações de cosplay, exibições de vídeos, música e jogos de anime. Além disso, incluem o marketing de moda, software, livros, alimentos e muito mais. O governo japonês descreveu o universo do anime como um tesouro nacional vivo, e o anime tornou-se um dos fenômenos culturais mais difundidos globalmente, com fãs dedicados desempenhando um papel fundamental em sua tradução e disseminação.

Após quase 45 anos de esforços metódicos para promover sua cultura a gerações ao redor do mundo, o Japão foi classificado como o principal país asiático entre os cinco líderes globais em poder suave, de acordo com o Relatório Global de Poder Suave de 2018.

Por fim, o Japão conseguiu apagar sua imagem brutal, que o assombrou até 1945, substituindo-a por uma representação fabricada do país como gentil, cativante e rico em uma bela e profunda cultura humana —pelo menos, em sua visão.


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