Essas justificativas frágeis e analogias forçadas jamais convenceriam alguém que reconhece a culpa herdada como uma injustiça alheia à perfeição de Deus.
A comparação entre o pecado herdado e a transmissão de doenças é infundada, pois a enfermidade é algo involuntário e não pode ser equiparada ao pecado. Ademais, ninguém é punido por adoecer.
Quanto à distinção feita por Tomás de Aquino entre alma e corpo, e sua alegação de que o pecado flui da alma para os membros, é necessário considerar que, ao cometer um pecado, o ser humano o faz com alma e corpo, visto que é uma unidade composta de ambos, vivendo e agindo através dessa união. Adão, porém, não constitui uma unidade com seus descendentes.
Portanto, insistimos em considerar a herança do pecado uma forma de injustiça, indigna de ser atribuída ao Deus Todo-Poderoso.
Essa crença repulsiva, rejeitada pela razão, carece de qualquer respaldo na Torá; ao contrário, os textos sagrados ali contidos a refutam de maneira clara e categórica.
As Escrituras negam de forma enfática a transmissão hereditária do pecado e afirmam a responsabilidade individual de cada ser humano por seus próprios atos. Dentre as passagens pertinentes, destaca-se:
“A alma que pecar, essa morrerá. O filho não levará a iniquidade do pai, nem o pai levará a iniquidade do filho; a justiça do justo será sobre ele, e a impiedade do ímpio será sobre ele.”
(Ezequiel 18:20–21, ARC)
“Os pais não serão mortos pelos filhos, nem os filhos serão mortos pelos pais; cada um morrerá pelo seu próprio pecado.”
(Deuteronômio 24:16, ARC)
“Mas cada um morrerá pela sua própria iniquidade; todo aquele que comer uvas verdes, os seus dentes se embotarão.”
(Jeremias 31:30, ARC)
“Teus olhos estão abertos sobre todos os caminhos dos filhos dos homens, para dar a cada um segundo os seus caminhos e segundo o fruto das suas ações.”
(Jeremias 32:19, ARC)
“Porém, não matou os filhos deles, mas procedeu conforme está escrito na Lei, no Livro de Moisés, onde o Senhor ordenou, dizendo: Os pais não morrerão pelos filhos, nem os filhos morrerão pelos pais; mas cada um morrerá pelo seu próprio pecado.”
(2 Crônicas 25:4, ARC)
“Ele não morrerá pela iniquidade de seu pai.”
(Ezequiel 18:17, ARC)
“Destruirás também o justo com o ímpio? Se, porventura, houver cinquenta justos na cidade, destruí-los-ás ainda assim, e não pouparás aquele lugar por amor aos cinquenta justos que ali se acharem? Longe de ti fazeres tal coisa, matares o justo com o ímpio; que o justo seja como o ímpio, longe de ti seja! Não faria justiça o Juiz de toda a terra?”
(Gênesis 18:23–25, ARC)
Assim como Cristo, paz esteja sobre Ele, refutou a doutrina do pecado original ao declarar:
“Se eu não viera, nem lhes houvera falado, não teriam pecado; mas agora não têm desculpa do seu pecado. […] Se eu entre eles não tivesse feito tais obras, quais nenhum outro fez, não teriam pecado; mas agora, viram-nas e odiaram tanto a mim como a meu Pai.”
(João 15:22–24, ARC)
Cristo não reconhecia a noção de pecado original herdado; por isso, repreende-os pelo pecado cometido contra Ele, censura-os por sua incredulidade e afirma que “não teriam pecado” se Ele não lhes houvesse vindo com as provas e argumentos concedidos por Deus.
A Invalidade da Herança do Pecado Original Comprovada pela Inocência de Muitos diante desse Pecado
As Sagradas Escrituras dos cristãos atestam a retidão de muitos e os enaltecem. Se estivessem carregados com o peso do pecado original, não seriam dignos de tão elevadas loas. Entre esses se encontram as crianças mencionadas por Cristo em uma de Suas declarações:
“Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como meninos, de modo algum entrareis no Reino dos céus. Portanto, aquele que se humilhar como este menino, esse é o maior no Reino dos céus.”
(Mateus 18:3–4, ARC)
(Veja também Marcos 10:13–16, ARC.)
Noutra ocasião, Ele repreendeu Seus discípulos por impedirem as crianças, dizendo:
“Deixai os meninos, e não os estorveis de vir a mim, porque dos tais é o Reino dos céus.”
(Mateus 19:13–14, ARC)
Dessas passagens depreende-se a pureza das crianças quanto ao pecado original, razão pela qual Cristo as tomou como modelo dos justos que herdarão o Reino dos Céus.
Contudo, Santo Agostinho condenou todas as crianças não batizadas à danação, declarando que arderão no fogo do inferno e não desfrutarão da visão do Reino do Senhor.
Os justos também não carregaram esse pecado; esses justos são mencionados na Torá, louvados, e não há menção de sua destruição ou de serem afetados pelo pecado herdado.
“Veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Que é isto que falais contra a terra de Israel, dizendo: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram? Assim diz o Senhor Deus: A alma que pecar, essa morrerá… E fez o que é reto e justo; não comeu nos montes, nem levantou os olhos para os ídolos de Israel, nem profanou a mulher do seu próximo, nem se chegou a mulher para se deitar com ela, nem fez mal a homem algum… Ele foi justo; viverá, diz o Senhor Deus.”
(Ezequiel 18:1–9, ARC)
Portanto, aquele que pratica boas obras é justo e não se vê afetado pelo pecado de Adão ou de qualquer outro.
Entre esses justos, que não estavam acorrentados pelo pecado e que a Torá enaltece, encontram-se os profetas. Se estivessem marcados pelo pecado herdado, não seriam dignos de conduzir os outros. E se se alegar que foram perdoados, por que o restante da humanidade não teria sido igualmente perdoado — sem o derramamento de sangue — assim como os profetas foram perdoados, dentre os quais Deus escolheu um confidente e amigo amado?
Entre os profetas exaltados na Torá destaca-se Enoque:
“E andou Enoque com Deus; e já não era, porque Deus o tomou.”
(Gênesis 5:24, ARC)
Paulo também disse dele:
“Pela fé Enoque foi trasladado para não ver a morte; e não foi achado, porque Deus o trasladara; pois antes da sua trasladação, recebeu testemunho de que agradara a Deus.”
(Hebreus 11:5, ARC)
Também Noé — a Torá diz dele:
“Noé foi homem justo e íntegro entre os seus contemporâneos; Noé andava com Deus.”
(Gênesis 6:9, ARC)
E Abraão — foi-lhe dito:
“Não temas, Abrão; eu sou o teu escudo e a tua grandíssima recompensa.”
(Gênesis 15:1, ARC)
E disse-se dele:
“O Senhor abençoou Abraão em tudo.”
(Gênesis 24:1, ARC)
Entre esses justos está Jó, que atestou de si mesmo ser inocente de todo pecado e transgressão, e declarou-se justo e obediente à palavra de Deus:
“Certamente falaste aos meus ouvidos, e eu ouvi a voz das tuas palavras, dizendo: Estou limpo, sem transgressão; sou inocente, e não há iniqüidade em mim.”
(Jó 33:8–9, ARC)
Apesar dessas virtudes singulares de Jó, João Batista é maior do que ele, como disse Cristo:
“Em verdade vos digo que entre os nascidos de mulher não apareceu maior do que João Batista.”
(Mateus 11:11, ARC)
E Lucas diz dele:
“Porque será grande diante do Senhor, e nunca beberá vinho, nem bebida forte.”
(Lucas 1:15, ARC)
Todos estes permaneceram imunes ao pecado original, embora fossem descendentes de Adão, e as Escrituras atestam sua justiça, declarando que não necessitavam de salvação pelo sangue de Cristo ou de outrem.
A Torá também enalteceu indivíduos que não eram profetas, descrevendo-os como justos e íntegros, o que indica claramente que não carregavam o peso do pecado original.
Entre eles está Abel, filho de Adão, cuja oferta foi aceita por Deus devido à sua justiça, enquanto a de seu irmão foi rejeitada. O pecado de seu pai não o impediu de ser aceito por Deus (cf. Gênesis 4:4).
O autor anônimo da Epístola aos Hebreus disse dele:
“Pela fé Abel ofereceu a Deus um sacrifício mais excelente do que Caim, pelo qual obteve testemunho de que era justo, Deus testemunhando acerca dos seus dons.”
(Hebreus 11:4, ARC)
Do mesmo modo, todos os que foram salvos com Noé eram justos, e por isso Deus os preservou do dilúvio:
“E viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra. E disse Deus a Noé: O fim de toda a carne é vindo diante de mim… E só Noé ficou vivo, e os que com ele estavam na arca.”
(Gênesis 6:12 – 7:23, ARC)
E se o pecado tivesse sido realmente herdado, então todos seriam pecadores, e não haveria justificativa para distinguir entre os que foram salvos e os que se afogaram.
Entre os justos está também Levi, filho de Jacó, que, juntamente com sua tribo, foi escolhido para o sacerdócio. Deus disse dele:
“O meu pacto foi com ele de vida e paz; e eu lhe dei para que temesse a mim, e ele temeu o meu nome. A lei da verdade estava em sua boca, e iniquidade não se achou em seus lábios; ele andou comigo em paz e justiça, e desviou muitos da iniquidade. Porque os lábios do sacerdote devem guardar o conhecimento, e da sua boca se deve buscar a lei; porque ele é o mensageiro do Senhor dos Exércitos.”
(Malaquias 2:5–7, ARC)
Da mesma forma, o Senhor dirigiu-se a Jerusalém acerca do remanescente fiel dos filhos de Israel, dizendo:
“Também deixarei no meio de ti um povo pobre e aflito, que confiará no nome do Senhor. O remanescente de Israel não fará iniquidade, nem falará mentiras; nem se achará língua enganadora em sua boca; porque eles pastarão e se deitarão…”
(Sofonias 3:12–13, ARC)
Assim, esses judeus remanescentes em Jerusalém são descritos como livres do pecado e da iniquidade.
Cristo também testemunhou a salvação de Lázaro, que havia falecido antes da suposta crucificação de Cristo:
“E aconteceu que o mendigo morreu, e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão; e o rico também morreu, e foi sepultado; e no inferno, levantou os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão, e Lázaro no seu seio. E clamou, dizendo: Pai Abraão, tem misericórdia de mim…”
(Lucas 16:22–24, ARC)
Assim, Lázaro foi salvo, apesar de ter morrido antes da alegada crucificação de Cristo.
Cristo também afirmou a salvação de Zaqueu, o cobrador de impostos, que entregou metade de seus bens em favor de Deus, sem necessitar de sacrifício sanguíneo ou de um Salvador crucificado em seu lugar:
“E Zaqueu, estando em pé, disse ao Senhor: Eis que dou aos pobres metade dos meus bens; e se em alguma coisa tenho defraudado alguém, restituo-lhe quadruplicado. E Jesus lhe disse: Hoje chegou a salvação a esta casa, pois também este é filho de Abraão.”
(Lucas 19:8–9, ARC)
Ele alcançou a salvação por meio da justiça e das boas obras.
Refutando a Doutrina do Pecado Herdado por Meio dos Testemunhos dos Cristãos
Uma das mais contundentes refutações à doutrina do pecado original provém da própria negação manifestada pelos cristãos, tanto no passado quanto no presente. Eles expressaram seu repúdio a essa injustiça — carregar o peso de um pecado que não cometeram, sobre o qual jamais foram consultados ou sequer testemunharam. Entre tais evidências:
– Os manuscritos de Nag Hammadi, descobertos após a Segunda Guerra Mundial, não contêm qualquer menção ao pecado e ao perdão conforme ensinados pelos Padres da Igreja.
– Houve cristãos que rejeitaram essa doutrina, entre eles dois monges ingleses do início do século V: Pelágio e seu companheiro, o monge Celestio, juntamente com seus seguidores. Negaram a transmissão do pecado original aos descendentes de Adão, considerando-o um obstáculo à felicidade eterna. Sustentavam que cada indivíduo é responsável por seus próprios atos.
Pelágio defendia a “vontade livre humana em questões de bem e mal, afirmando que não existem obstáculos externos que impeçam a escolha humana. Assim, um indivíduo de forte vontade é capaz de conduzir uma vida que atinja a perfeição moral… A natureza humana de cada pessoa é semelhante à natureza pura de Adão no momento da criação — antes da queda — o que significa que não herdou o peso do primeiro pecado.”
Essas opiniões audaciosas, porém, não foram aceitas pela Igreja, e Pelágio foi anatematizado no Décimo Sexto Concílio de Cartago, realizado em 418 d.C.
Entre os que também negaram essa doutrina estava o renomado teólogo João Crisóstomo, assim como Celestio, citado na Encyclopædia Britannica afirmando:
“O pecado de Adão prejudicou somente a Adão e não teve efeito sobre o restante da humanidade. Os recém-nascidos, ao saírem do ventre materno, são tão puros quanto Adão era antes do pecado.”
O Major James Brown também criticou severamente a ideia do pecado original herdado, declarando:
“Uma noção obscena e repugnante; nenhuma tribo jamais acreditou em tamanho absurdo.”
O Dr. Nazmi Luqa, ao abordar as consequências psicológicas e morais dessa doutrina, afirmou:
“A verdade é que ninguém pode verdadeiramente apreender o valor de uma crença livre do fardo do pecado original herdado, senão aquele que cresceu sob a sombra dessa ideia sombria, que lança uma mancha de culpa e vergonha sobre cada ação do indivíduo, fazendo-o percorrer a vida como alguém desconfiado e hesitante, jamais a enfrentando com a confiança de quem está seguro — em virtude do peso da culpa herdada que lhe quebrou as costas.
Tal noção severa envenena as próprias fontes da vida, e livrar a humanidade desse fardo é uma grande misericórdia, como se lhe fosse dado um novo sopro de vida — é verdadeiramente um renascimento.”
Ele diz:
“E mesmo que eu esquecesse, não poderia esquecer o terror e o horror que me foram incutidos na infância por causa daquele pecado original, e o contexto terrível em que foi apresentado, acompanhado das descrições do inferno… um castigo justo pelo pecado de Adão, instigado por Eva… E mesmo que eu esquecesse, não poderia esquecer a angústia que me dominou e perturbou a mente diante dos milhões de pessoas que viveram antes de Cristo — onde estarão, e qual a culpa deles para que pereçam sem oportunidade de salvação.”
Assim, a doutrina da transmissão do pecado aos descendentes de Adão é invalidada, tanto por textos explícitos nas Sagradas Escrituras quanto pelo testemunho de cristãos sábios.
Cristo nos redimiu na cruz?
por Munqidh al‑Saqqar
Deixe um comentário