O Sonho que Mudou Minha Vida

A História de Arrependimento de Mālik ibn Dīnār

Fonte: Ibn Qudāmah, “Kitāb al-Tawwābīn”, pág. 124


Mālik ibn Dīnār disse:

“Minha vida começou perdida: eu era um bêbado, rebelde, oprimia as pessoas, usurpava direitos, consumia ribā (usura), prejudicava os outros e cometia injustiças.
Não havia pecado que eu não tivesse cometido; era profundamente devasso. As pessoas me evitavam por causa da minha desobediência.

Certo dia, senti o desejo de me casar e ter uma filha. Casei-me e tive uma menina, a quem dei o nome de Fāṭimah. Eu a amava profundamente. À medida que Fāṭimah crescia, a īmān (fé) aumentava em meu coração e os pecados diminuíam.

Às vezes, Fāṭimah me via segurando uma taça de vinho (khamr) — antes mesmo de completar dois anos — e vinha até mim, afastando-a, como se Allāh a tivesse inspirado a fazer isso.

Quanto mais Fāṭimah crescia, mais a fé aumentava em meu coração. Cada passo que eu dava em direção a Allāh me afastava, pouco a pouco, dos pecados.


A Morte de Fāṭimah

Quando Fāṭimah completou três anos, ela faleceu.

Eu desmoronei. Não tinha a ṣabr (paciência) dos crentes que os fortalece diante das provações. Voltei a pecar mais do que antes.
O Shayṭān (Satanás) passou a me ludibriar e arrastar ainda mais.

Um dia, ele sussurrou:

“Hoje você vai se embriagar como nunca antes!”

E eu bebi… bebi… e bebi a noite toda.


A Visão (Ru’yā)

Naquela noite, fui lançado em sonhos agitados até que tive uma visão do Dia do Juízo (Yawm al-Qiyāmah).

Vi o Sol escurecido, os mares transformados em fogo, a terra tremendo. As multidões se reuniam para o Julgamento. Estava entre elas, ouvindo o arauto (al-munādī) chamar:

“Fulano, filho de Fulano! Apresente-se perante o Todo-Poderoso (al-Jabbār)!”

Vi os rostos das pessoas tornarem-se escuros de medo.
Então, ouvi meu próprio nome:

“Apresente-se perante o Todo-Poderoso!”

De repente, todos ao meu redor desapareceram. Estava sozinho na planície da Ressurreição (maḥshar).
Uma enorme serpente correu em minha direção, feroz, com a boca aberta. Corri desesperado.

Encontrei um homem velho e fraco. Supliquei:

“Ajude-me! Salve-me dessa serpente!”

Ele respondeu:

“Meu filho, sou fraco. Não posso ajudá-lo. Corra naquela direção. Talvez você escape.”

Corri, com a serpente atrás de mim. À minha frente, vi o Inferno (Nār).

Pensei:

“Fugirei da serpente para cair no Fogo?”

Voltei correndo, mas a serpente me alcançava.
Voltei ao velho, implorando:

“Pelo amor de Allāh, socorra-me!”

Ele chorou de compaixão e disse:

“Sou fraco. Mas corra até aquela montanha. Talvez você escape.”

Corri. A serpente quase me agarrava.
Na montanha, vi crianças pequenas gritando:

“Ó Fāṭimah! Salva teu pai! Salva teu pai!”

Então percebi: era minha filha!

Alegrei-me por tê-la. Ela me segurou pela mão direita e afastou a serpente com a esquerda. Eu estava como morto de tanto medo.
Ela se sentou no meu colo, como fazia neste mundo, e disse:

“Ó meu pai,
‘Acaso, não é chegada a hora de os corações dos crentes se humilharem perante a lembrança de Allāh?’
(Alcorão, Sūrah al-Ḥadīd 57:16)”


O Significado da Visão

Perguntei:

“Minha filha, o que era aquela serpente?”

Ela respondeu:

“Eram tuas más ações (a‘māl as-sayyi’ah). Você as alimentou até quase te devorarem.
Não sabia, ó pai, que as ações neste mundo se manifestarão em forma corpórea (mujassamah) no Dia do Juízo?”

E aquele homem fraco?

“Era teu bem (a‘māl aṣ-ṣāliḥah). Você o enfraqueceu até que não pudesse te ajudar.
Se não fosse por mim — tua filha que morreu pequena — nada teria te beneficiado.”


O Retorno a Allāh:

Acordei gritando:

“Sim, chegou a hora, ó Senhor! Chegou a hora!”

Levantei-me, fiz ghusl (banho ritual) e fui para a oração do fajr (aurora), desejando o arrependimento (tawbah).

Ao entrar na mesquita (masjid), o imām recitava o mesmo versículo:

Acaso, não é chegada a hora de os corações dos crentes se humilharem perante a lembrança de Allāh?
(Alcorão 57:16)


A Nova Vida de Mālik:

Esse foi Mālik ibn Dīnār, um dos grandes sábios (imāmes) da geração dos Tābi‘īn (seguidores dos companheiros do Profeta ﷺ).

Passou a chorar durante a noite, dizendo:

“Ó meu Senhor (Ilāhī), só Tu sabes quem habitará o Paraíso (Jannah) e quem o Inferno (an-Nār). Qual dos dois serei eu?”

E passou a ficar à porta da mesquita todos os dias, clamando:

“Ó servo desobediente! Volta para o teu Senhor (Mawlāk)!
Ó servo negligente! Volta para o teu Senhor!
Ó servo fugitivo! Volta para o teu Senhor!”

Teu Senhor te chama noite e dia:
‘Quem se aproxima de Mim um palmo, Eu me aproximo dele um côvado;
quem se aproxima um côvado, Eu me aproximo uma braça;
e quem vem a Mim caminhando, Eu vou a ele correndo.’

(Ḥadīth Qudsī – Bukhārī e Muslim)

Ó Allāh, concede-nos arrependimento sincero (tawbah nāṣūḥah).
Não há divindade além de Ti! Glorificado sejas!
Por certo, fomos dos injustos!

(Alcorão 21:87)


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